INforme fsa

Informativo dos Filhos de Sant'Ana

23/02/2009

A radicalidade do Cristo Crucificado


O nosso olhar deve se encher de coragem quando nos deparamos com a grande prova de amor do nosso Jesus Crucificado. Mistério profundo e rico de significado que nos impulsiona a viver uma maior entrega, a tal ponto de nos tornarmos capazes de tudo perder pelo Tudo que é Deus. Como nos ensina São Paulo na carta aos Filipenses, “sendo ele (Cristo) de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo... (Fil 2,6-7); diante de tal fato, não podemos fazer outra coisa senão nos esforçarmos para vivermos o nosso nada, alegres por poder nos entregar quotidianamente a vontade Divina.
Cristo, com o seu testemunho, nos ensinou que, se queremos ser felizes, não devemos estar lutando para termos tanto, ou mesmo, para ser tanto, mas nos diz que o caminho verdadeiro que todo discípulo deve percorrer, é aquele da “nulidade”. É como se a cada dia tivéssemos que desaparecer mais, para que assim seja Cristo a viver em nós. Porém, aquilo que nos é ensinado, é que devemos ser os primeiros, os melhores, os mais famosos, os que detêm o maior poder. Nos viciamos e nos afadigamos nesta constante busca pela grandeza, pela fama e, movidos por isso, somos muitas vezes, capazes de passar por cima de todos, pois os outros não são vistos como irmãos que devem ser amados por aquilo que são, mas como rivais, que devem ser vencidos e superados.
Jesus, ao contrário, teve a ousadia de tornar-se “nada”, perder tudo; viveu radicalmente o seu “Sim” ao Pai, justamente porque tinha os seus olhos fixos na meta, no essencial. Em nenhum momento deixou que as coisas passageiras e efêmeras atrapalhassem o desenvolvimento da sua missão. Como seria maravilhoso se, do mesmo modo, conduzíssemos a nossa vida, transformando-a em um hino de louvor e entrega ao Rei dos reis.
Nos acostumamos, nos dias atuais, a viver de realidades aparentes e passageiras. Perdemos tempo com tantas coisas, que muitas vezes deixamos de contemplar o essencial da vida. Cristo não tirou os seus olhos do seu ideal, do seu fim, do essencial que deveria viver em sua vida. Mesmo sabendo que no final do caminho tivesse que se entregar total, não se deixou intimidar, mas ao contrário, correu ainda mais rápido, pois sabia que a dor nunca seria capaz de destruir ou impedir a sua vitória sobre a morte. Quando somos conscientes do chamado que o Eterno Pai nos fez, ninguém nunca poderá nos impedir de concretizá-lo, somente nós mesmos, com o nosso não a esta vontade.
Quando fomos criados, Deus nos entregou, junto com nossa liberdade, um belíssimo caminho para construir e percorrer, mas o mais belo é constatar que Ele já tinha pensado em um final, não no sentido de algo que obrigatoriamente tivéssemos que viver, mas no sentido de que o lugar final onde deveríamos chegar já estava evidente deste o primeiro momento, depende de cada um buscá-lo e abraçá-lo! Imaginemos um alpinista, no início do seu caminho; ele se determina a atingir o topo de um monte, e é justamente o olhar para o seu objetivo que o faz caminhar sempre mais; nos momentos difíceis, se deixa fortalecer pela vontade de atingir a sua meta. Se enche de coragem e continua, mesmo se muitas são as dificuldades. A meta funciona como uma força propulsora que nos envolve e nos torna capazes de fazer loucuras pelo simples fato de poder um dia atingí-la.
O caminho não é fácil, muitas vezes nos perdemos, nos sentimos cansados; outras vezes parece que todos querem nos impedir de continuar; em outros momentos, aparecem verdadeiros anjos que nos ajudam a prosseguir. Portanto, o mais importante, é sabermos que ninguém terá o poder para nos animar ou desanimar, depende muito mais do fato de estarmos com olhar fixo na nossa meta ou não.
Aqui podemos refletir sobre o essencial e o acidental. Jesus buscou o essencial sempre, mas muitas vezes usou o acidental simplesmente para que os homens pudessem entender melhor a sua mensagem. Por exemplo, Ele não precisava fazer barro com a saliva, para curar ninguém; nem muito menos dizer algumas palavras para que o mar se acalmasse. Porém, Ele quis usar o acidental para nos ajudar a contemplar melhor o essencial que muitas vezes está invisível aos nossos olhos. O que nos motiva na caminhada nunca pode ser o cumprir o acidental pelo acidental, e sim o essencial, ou seja, não nos consagramos a Deus para vivermos bem os votos, mas para através desta realidade acidental atingirmos a santidade, que é ser inteiramente de Deus. Os sinais são importantes, mas nunca podem ser substituídos por aquilo que significam. Explico-me, o crucifixo somente é importante para nós cristãos, porque nele encontramos o significado ou a prova do amor de Deus, em si mesmo não diria nada, mas Cristo com a sua morte, o re-significou. É o significante unido ao significado que produz um sinal.
Precisamos centrar o nosso olhar no essencial e utilizarmos dos acidentais para que cada vez mais consigamos ser fiéis no nosso caminho. Quanto mais fixamos o nosso olhar sobre o essencial mais viveremos de modo radical, pois é impossível olhar para a beleza e não se deixar seduzir por ela. Olhamos para beleza que é Deus e queremos radicalmente viver nele, sem medo de perder tudo, justamente porque sabemos que aquilo que abraçamos é muito maior do que aquilo que deixamos.
Nesta quaresma, olhemos para o nosso Amado Jesus, caminhemos com Ele no deserto, nos tornemos os seus companheiros de caminhada; não será fácil, as dificuldades nos tentarão muitas vezes a voltar atrás, ou mesmo, de termos a vontade de nos entregarmos a uma morte prematura, vazia de esperança. Como Jesus, não nos deixemos abater por aquilo que pode nos fazer desistir, mas fortaleçamos o nosso espírito com o essencial, com a certeza de onde devemos e queremos chegar. Os nossos olhos se encherão de vida, o nosso coração de coragem e não somente caminharemos, mas em alguns momentos correremos rumo à meta da nossa vida.
É tempo de nos fortalecermos, de abandonarmos os acidentais que nos destrói, ou mesmo, de repensá-los, de voltar a vê-los como aquilo que realmente são: acidentais. É hora de olhar para o essencial e viver de modo radical a nossa entrega a Deus.
Que neste tempo forte da Quaresma, possamos olhar para Cristo como modelo e meta e crescer assim na vivência do ESSENCIAL. Desta forma, sem dúvida alguma, nos tornaremos mais RADICAIS na vivência do amor, do perdão, da doação, da entrega... Nos recordemos sempre: Quando assumimos com coragem o nosso nada, nos tornamos verdadeiros gigantes.
Bom retiro Quaresmal.


Padre Leandro Cunha Lopes, fsa

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